A Morte Feliz do Herói

“O destino não está dentro do Homem, mas à sua volta.”,
Albert Camus, A Morte Feliz

Patrice Mersault - personagem principal da obra “A Morte Feliz” (1936-1938) de Camus, publicada postumamente – constitui a meta-imagem do herói com que, pessoalmente me identifico. Todavia, o que são os heróis senão meros arquétipos idílicos que nos reportam para uma imagética onírica em que nos sentimos despertos? Amamos as personagens que pelos seus actos se elevam a nós, sendo que ao mesmo tempo reproduzem em actos figurativos, princípios que consciente/inconscientemente nos são preciosos.

Se na literatura existencialista francesa, Mersault e a sua vítima, Roland Zagreus, são os meus heróis, consequentemente, Elisabeth Vogler, “Persona” de Ingmar Bergman e “4:33” de John Cage; serão os seus correspondentes heróicos no cinema e na música. Todos estes se reportam para a angústia da existência cinzenta do quotidiano – o ciclo da “ sensação , nutrição, mastigação e procriação” que o artista inglês Austin Osman Spare, identificava – a derradeira negação da alienação mortal e massificada da vida. E a perseguição de um ideal de libertação lúcida e construção da felicidade.

A felicidade não é possível de ser comprada. Mas é preciso comprar-se o tempo, para se ter tempo de ser feliz. E ser feliz é Ser-se. Zagreus sabia-o. Tendo sofrido um acidente de viação, vê-se encarcerado numa cadeira de rodas. Dependente de empregados para o vestirem e lavarem, devido a amputação de ambas as pernas. É assim, descrito, o iniciador de Mersault. Que lhe confere o conhecimento da chave para atingir o seu próprio destino, ao dizer-lhe:

“Posso ficar cego, surdo, mudo, tudo o que você quiser. Desde que sinta nas entranhas esta chama sombria e ardente que é aquilo que eu sou, e aquilo que eu vivo, apenas pensarei em agradecer à vida por me ter permitido sobreviver (…) E você Mersault (…) o seu único dever é viver e ser feliz.”

Mersault, empregado medíocre, vizinho de um ser imundo e juiz frio da sua própria detestável existência, mata Zagreus e rouba o dinheiro deste. O crime mais hediondo é cometido, logo no primeiro capítulo. Mas não há vestígios de culpa, não há moral, pois: “Muitas dores aguardam aqueles que vos amam (…) O amor que me dedicam não me obriga a coisa nenhuma.”. Patrice parte rumo a Praga, voltando de seguida ao Sol quente de Argel. Vive na “Casa diante do Mundo” e morre na “Casa em Chenoua", diz-nos que o amor é dispensável. Procura a solidão. Vive à margem do mundo, é um estrangeiro que goza de boa hospitalidade.

A relação entre o silêncio e a solidão é de máxima importância, tanto para Mersault como para Elisabeth Vogler. Em Persona, Vogler é uma actriz que após um ataque de riso em pleno palco, se cala durante um tempo indeterminado. Internada num manicómio, a directora e a enfermeira Alma, sabem-na sã mentalmente.
Apenas fechada ao mundo. Em silêncio, não há nada. Não há decisões, não há “máscaras”. Porém, o silêncio ao ser a recusa da acção encerra em si, o mesmo princípio que Prometeu, de Ésquilo, ditava a Hermes. Ao afirmar-lhe que mesmo agrilhoado e em perpetuo suplicio era mais livre que o Deus mensageiro com asas nos pés.

Porém, “a vida infiltra-se por todo o lado”, e Vogler rompe num gesto impulsivo o seu silêncio. Tal não acontece com Patrice, ele consegue até ao fim consumar o que ele decidiu ser o seu destino e ter uma morte feliz:

“De todos os homens que transportava no íntimo, como cada homem no começo da vida, de tantos seres diferentes que misturam as suas raízes sem contudo se fundirem, sabia agora qual deles ele tinha sido. E essa escolha que cria o destino de um homem, tinha-a feito conscientemente e com coragem. Aí residia toda a felicidade de viver e de morrer.

Compreendia que ter medo daquela que ele encarara com uma angústia animal era também medo da vida. O medo de morrer justificava um apego sem limites a tudo o que é vivo no homem. E todos aqueles que não tinham praticado os gestos decisivos que enobrecem uma vida, todos aqueles que temiam e exaltavam a impotência, todos os que tinham medo da morte, pela sanção que ela imprime a uma vida de que sempre tinham ficado distantes. Não tinham vivido suficientemente, nunca tinham vivido.”

John Cage devotou 4 minutos e 33 segundos ao silêncio, representado simbolicamente por uma orquestra em que nenhum instrumento foi tocado. Tal conceito não é totalmente original, se tivermos em conta as ingressões radiofónicas de Fillipo Tommaso Marinetti, no seu programa “Os silêncios falam entre si”. O Teatro Futurista Radiofónico era assim composto por sons atmosféricos intercalados com oito a quarenta segundos de “puro silêncio”.

O desapego ao “mundo” a inversão e destruição dos papéis sociais constitui uma transição da situação humana – enquanto ser biologicamente social – para um estádio superior, pós-humano. Não é isso que os heróis representam? Seres transitórios. Humanos que tocam o divino: a vivência plena da sabedoria sentida, a qual chamamos “felicidade”.




O Mercador de Veneza



“Os muçulmanos sentem-se como os judeus da Europa.” A declaração é recente, e foi proferida por Shahid Malik, o primeiro muçulmano a integrar um governo britânico. Lida num jornal, teria sido suficiente para desencadear em Ricardo Pais o impulso de promover uma nova montagem de O Mercador de Veneza, não fizesse já parte da shortlist do encenador a “comédia” de Shakespeare que reacções mais “sérias” tem gerado desde que foi escrita. O projecto remonta a 2005, quando ainda envolvia a participação do actor brasileiro Raul Cortez. É agora retomado com uma tradução inédita, e com um elenco de criativos e intérpretes que congrega novos e velhos conhecidos da Casa. Tomando em mãos uma obra que baralha as coordenadas da alteridade nacional, rácica, religiosa e sexual, Ricardo Pais transcreve para a cena a força sanguínea tanto da prosa como da poesia do judeu Shylock, do cristão António, de Pórcia, Bassânio e restantes personagens, e acciona o jogo de duplicidades a que Shakespeare as abandona. No TNSJ, o ano começou com a maldizente Veneza de Goldoni. Houve, pelo meio, a cínica Veneza de R.W. Fassbinder. Agora que nos aproximamos do termo de 2008, chegamos à Veneza de escuros becos psíquicos imaginada por Shakespeare, com uma muito musical Belmonte do outro lado do espelho. O chamamento vem do seu interior: “Vamos sentar aqui, deixar que os sons da música nos subam aos ouvidos”.


De 7 - 29 de Novembro no Teatro Nacional de São João Bilhetes


Preço dos Bilhetes


TNSJ


Plateia e Tribuna € 15,00 1.º


Balcão e Frisas* € 12,00 2.º


Balcão e Camarotes 1.ª Ordem* € 10,00


3.º Balcão e Camarotes 2.ª Ordem* € 7,00


* Frisas e Camarotes só são vendidos a grupos de duas pessoas

Uma Nova Era

Todos os dias somos bombardeados pelo rótulo de uma Nova Era. O “New Age” americano internacionalizou-se de tal forma, que se tornou ícone mundial, ao qual, se junta a imagem estereotipada do praticante de yoga que depois de se exercitar com posições - asanas milenares, se debate com um hambúrguer oleoso no Mcdonald’s. Pessoalmente, comecei a desenvolver uma aversão orgânica por esta faceta superficial de uma nova dinâmica. Movimento este, que parte dos finais do século XIX para se tornar num gigante corpulento em pleno século XXI. É, contudo, na minha opinião interessante notar que, por detrás, desta superficialidade florida e hipócrita – que se refugia numa espiritualidade feita de reiki e caldeirões – há uma epiderme que se adensa; preconizando o desejo do Humano em retornar ao estado anímico e primevo.

O mundo mudou – nada de novo, o mundo muda constantemente. Mas como já outros autores o salientaram com mestria, podemos encontrar um interessante equivalente entre a descoberta sucessiva de achados e grutas pré-históricas, que nos reportam exactamente para esse imaginário anímico/selvagem; a emergência de diversos tipos de religiosidade reinterpretados à luz da actualidade, mas cujas raízes são centenárias e obviamente heréticas, sob o olhar da Igreja; o desenvolvimento tecnológico que cria um novo conceito de atemporalidade e de espacialidade; e, por fim, a Arte, em todas as suas manifestações artísticas. É claro, que não há uma hierárquica de sucessão entre cada um destes acontecimentos, há sim input’s e output’s que se estimulam reciprocamente.

Tudo parece ter começado em 1879, a 30 km de Santander na zona da Cantábria espanhola, com a descoberta da Gruta de Altamira. A mesma que durante 13 mil anos permaneceu criogenada, por um simples acontecimento: uma imensa pedra selava a sua entrada, impedindo o homem e o tempo de a corromper. Sob o tecto da sua abóbada da “Capela Sistina do Paleolítico Superior” olha-nos o Cavalo de Ocre, a mais antiga das representações, segundo Henri Breuil. O Cavalo xamânico e psicopombo sobre o qual Mircea Eliade[1] escreveria oitenta e cinco anos depois.
Um estranho apelo a religiosidade natural e anímica parecia ter-se despoletado.
Literariamente, Sir James Frazer publicava “The Golden Bough”, versando antigos cultos a deuses modernamente esquecidos e é com ironia que em 1891 é descoberto o famoso Caldeirão de prata com treze painéis ilustrativos de um deus cornudo – Cernunnos – Aars, Himmerland, Dinamarca. Seguiram-se a descoberta de outras três grutas pré-históricas em França: Gruta de Mauthe; Gruta de Combarelles; Gruta de Font-de-Gaume, em 1895. O mesmo ano em que nasceria, Robert Graves, autor de “The White Goddess”, editado em 1959.
Durante a descoberta das cavernas francesas, uma bizarra personagem passeava-se pelas ruas de paris: o excêntrico pai do Futurismo, Fillipo Tommaso Marinetti. A Arte da Performance, era inaugurada com o seu manifesto “Le Figaro”, a 20 de Fevereiro de 1909, menos de cinco anos depois de Aleister Crowley ter recebido de Aiwass, a proclamação do inicio de uma nova era, o Aeon de Hórus. Entre um e outro, o arqueólogo Josef Szombathy descobria a 8 de Agosto de 1908, a famosa estátua de Vénus de Willendorf.

A mulher ganharia um novo papel. A 20 de Dezembro de 1913 na Comédie des Champs-Elysées em Paris, Valentine de Saint-Point apresentava o seu “Manifesto da Luxúria”, que tinha Debussy e Satie como banda sonora. Algo que o historiador d’ “As Feiticeiras”, Jules Michelet gostaria de ter assistido, se tivesse vido mais meio século. Valentine de Saint-Point, encarnava assim o principio idílico dos futuristas: “Velocidade e amor ao Perigo”[2] – algo que hoje é mais actual que nunca, através da auto-estrada cibernética e da comunicação imediata, que permeia a inexistência de limites.

O Psicólogo Analítico, que exactamente no mesmo ano encontrara esta nomenclatura para a sua própria “escola”, Carl Gustav Jung, não foi estranho ao nascimento de uma nova Era. Aliás, compreendeu a existência destes impulsos inconscientes de mudança colectiva que se traduzem em novas áreas cognitivas, articulando assim a sua teoria do Inconsciente Colectivo.

No domínio musical, o manifesto sobre “A Arte do Ruído” do futurista Russolo, confere a importância ao som mecânico que agora se popularizou no género de Noise Music. Nem mesmo John Milton Cage, nos seus “4:33” foi totalmente original. Já em 1933, Marinetti e Pino Masnata realizavam um programa de rádio chamado: “Os silêncios falam entre si”, e no qual se ouviam sons atmosféricos interrompidos por “puro silêncio” com a duração de 8 a 40 segundos. Era o Teatro Futurista Radiofónico.

Mesmo o desejo de osmose entre o Homem e a Máquina hoje, analisados no Pós-Humanismo, têm um dos seus antecessores em “Macchina Tipografica”, de Giacomo Balla. Aqui, cada performer representava a alma de uma das diferentes peças de uma prensa tipográfica rotativa.

Deste brevíssimo texto podemos retirar três ideias:

1- Alteração do conceito de temporalidade – o desejo de velocidade e fusão temporal.
2- Alusão constante a dictomia entre ruído e silêncio.
3- A compreensão das limitações biológicas humanas e do sentido compensatório da máquina, que potencializa o Homem. A criação que torna o criador em Criador.

Paralelamente a todas estas sensações que marcam a Era Saturnina, encontramos um evidente interesse pelo ocultismo, como é notório em “Häxan” de Benjamin Christensen ou ainda antes, “Der Golem, wie er in die welt kam”, Carl Boese e Paul Wegener ou em “Nosferatu, eine Symphonie des Grauens”, de Friedrich Wilhelm Murnau.

Com efeito, um ano antes de “Häxan” era publicado “The Witch Cult in Western Europe”, da antropóloga centenária Margaret Alice Murray, que por sua vez, serviria de “base” para as obras de Gerald Gardner, o futuro Pai do Wicca. Todo este interesse foi materializado, com a abertura em 1949 do primeiro museu de Bruxaria em WitchCraft Research Center, da responsabilidade de Cecil Willimson. Hospedado na antiga casa conhecida por Witche’s Mill, em Arbory Street, Castletown, Isle of Man. Em menos de quinze anos, Raymond Buckland abria o “Museum of WitchCraft and Magic”, em Brentwood, Long Island, New York.

As três décadas que se seguiram (anos 70, 80 e 90) intensificaram o apelo a adopção deste tipo de religiosidade. Passando por um processo de massificação abusiva que sendo reprovável, é sinal claro da conscialização do Homem desse impulso atávico da Era que desperta agora.
BEATRIZ HIERRO LOPES

[1] O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase, (1964), Londres: Routledge & Kegan Paul.
[2] 1910 – 5 de Abril – “Manifesto técnico da pintura futurista” – Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Luigi Russolo, Gino Severini, Giacomo Balla e Marinetti.

Gnosticismo Tecnológico: o Imaginário Cibercultural

Desde há muito tempo que a reflexão em torno da Tecnologia conduziu a um manancial de teorias de racionalização e até de desencanto, (Tecnofobia), a minha questão fundamental é:

Existe uma “afinidade electiva” entre as novas tecnologias e aquilo a que designarei de uma nova forma de religiosidade pós-tradicional?
Alicerçado nas afirmações de vários autores, de que muitos “New Agers”, “Cyberpunks”, Programadores Informáticos e Técnófilos, concebem o Ciberespaço como um local encantado e sagrado possibilitador duma “desencarnação imortal”e omnisciente, numa fusão Gnóstica do “Self” com o “Reino Divino da Informação”, questiono, em que tipo de circunstâncias é possível encontrar tais correspondências entre a realização do “Self” num Gnosticismo de contornos New Age, e um hipotético estádio de evolução duma “Humanidade Desencarnada” no ciberespaço, e se de facto entram em contradição com as teorias modernistas que postulam sistematicamente um afastamento entre Religião e Tecnologia.
O "pacto" estabelecido entre o homem contemporâneo e a tecnociência visa a ultrapassagem das limitações da organicidade, apontando para a construção de um ser híbrido "pós-biológico", misto de corpo humano e artifício técnico. A informática, as telecomunicações e as biotecnologias alimentam o sonho neo-gnóstico da "pós-evolução": através delas, o homem "pós-biológico" almeja desvincular-se das restrições espaciais e temporais ligadas à sua materialidade orgânica, para atingir a virtualidade e a imortalidade.
A ambição desta indagação é o estudo da possível conexão entre o desenvolvimento das novas Tecnologias e o surgimento de tipos de religiosidade pós-tradicional.
O foco principal desta temática incidirá sobre aquilo a que designarei por “Gnosticismo Tecnológico”, ou seja uma reinvenção do esoterismo que encara o mundo material como uma prisão, da qual é necessário escapar, procurando a libertação num espaço de salvação espiritual – oculto aos não iniciados - onde miraculosas realizações do potencial humano poderão ser alcançadas. A forma presente deste tipo de religiosidade, relativamente negligenciado pelas ciências sócias e humanas*, emergiu após o Ocultismo do séc.XIX ter recolocado o Divino no “Self” humano ou “Psyche”, culminando na sacralização do “Self” pelo movimento New Age. Esta proposta sugere que a “topografia do espaço divino”, pode mudar quando as pessoas prometem umas às outras a libertação da prisão do corpo e do mundo material através das possibilidades transcendentes da Realidade Virtual, do “Self” espiritual e do Ciberespaço, fazendo com que este último se torne um topoi do Divino.

-Será que a manifestação de uma nova forma de Gnosticismo moderno, é estimulada por situações em que os indivíduos possam esquecer o aspecto material e funcional da Tecnologia, mergulhando numa cultura de simulação?

-De que formam se relacionam as fantasias duma libertação espiritual, das prisões do corpo e da matéria com outras metáforas duma futura sociedade tecnologicamente orientada?

-Que metáforas, utilizadas pelas novas formas de religiosidade pós-tradicional poderemos encontrar nos discursos da cibercultura?

Como pressupostos metodológicos para esta problemática, terei em conta que a reflexão teórica assume ares de narrativa ficcional, enquanto que os designados «produtos da cultura» (Romances, filmes, obras de arte) se tornam cada vez mais auto-reflexivos e teóricos. Tentarei utiliza-los de forma a poder comprovar a presença e o poder do imaginário da Transcendência nos discursos da Cibercultura.

Júlio Mendes Rodrigo, 25 de Outubro de 2008

*Honrosa excepção é a edição da obra "O esoterismo e as humanidades” / coordenação Maria Isabel Sampaio Barbudo, Edições Colibri.
(reúne comunicações apresentadas no colóquio «O Esoterismo e as Humanidades» promovido pelo Conselho Directivo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa nos dias 27 e 28 de Maio de 1999. Este acontecimento de âmbito interdisciplinar veio enriquecer a área das Humanidades, ao sublinhar o esoterismo como objecto de investigação, contribuindo para que este tema deixe de permanecer à margem do discurso académico.)


BERLIM - Reconstrução Critíca

No seguimento do post anterior: "City Simphony Tradition", de Júlio Mendes Rodrigo, deixo aos interessados, as referências sobre o ciclo de cinema e seminário: "Berlim, Reconstrução Critíca". Que me chamou atenção, principalmente, pelos quatro filmes escolhidos para o efeito. Estes não só, se inserem no genéro cinematográfio da "Sinfonia das Cidades", como constituem no seu conjunto, uma prodigiosa viagem histórica e sociológica através da sua narrativa visual.
Absolutamente imperdível!
O Cinema Passos Manuel de dia 4 à 7 de Novembro exibirá:

4 NOV 08 21h30
BERLIM, SINFONIA DE UMA GRANDE CIDADE
Walter Ruttmann, 1927
Analisado por Nuno Portas

5 NOV 08 21h30
GERMANIA, ANNO ZERO
Roberto Rosselini, 1947
Analisado por Abílio Hernandez Cardoso

6 NOV 08 21h30
ASAS DO DESEJO
Wim Wenders, 1987
Analisado por Pedro Barreto

7 NOV 08 21h30
BERLIN BABYLON
Hubertus Siegert, 2001
Analisado por Hubertus Siegert
Na Fundação Serralves, por sua vez, terá lugar o Seminário Internacional de Arquitectura:

8 NOV 08 10h00 - 20h00

Sessão 1
MEMÓRIA E IDENTIDADE EM BERLIM
Moderador Jorge Figueira
Oradores António Guerreiro / Inês Lobo e Pedro Domingos /
Carlos García Vázquez / Álvaro Siza Vieira

Sessão 2
PROJECTAR EM BERLIM
Moderador Luís Tavares Pereira
Oradores Nuno Mateus /Jorge Carvalho e Christian Gänshirt /
Paulo Providência / José Paulo dos Santos

Sessão 3
POLÍTICA URBANA EM BERLIM
Moderador Nuno Grande
Oradores Ralph Stern / Hubertus Siegert / Gerrit Confurius /
Annalie Schoen e Ulla Luther

A participação no Seminário Internacional de Arquitectura "BERLIM:
Reconstrução Crítica" confere 3 créditos de 'Formação Obrigatória Opcional'
conforme previsto no Regulamento de Admissão da Ordem dos Arquitectos.
Beatriz Hierro Lopes

City Simphony Tradition

The Man With the movie Camera


O presente texto serve de reflexão à posteriori do Workshop de Documentário Interactivo, (Uma rede de retratos urbanos inspirados nos “filmes-sinfonia” da era do cinema mudo) realizado em Julho de 2007 em parceria com a UT-University ofTexas at Austin, ao abrigo do programa CoLab, International Colaboratory For Emerging Technologies.







No seu livro “ The Language of New Media” Lev Manovich , incontornável autor para aqueles que se relacionam directamente com a interacção Novas Tecnologias/Arte, o supracitado teórico inicia a sua obra com o seguinte prólogo:

“The avant-garde masterpiece A Man With a Movie Camera completed by Russian
director Dziga Vertov in 1929 will serve as our guide to the language of new
media. This prologue consists of a number of stills from the film. Each
still is accompanied by quote from the text summarizing a particular
principle of new media. The number in brackets indicates a page from which
the quote is taken. The prologue thus acts as a visual index to some of the
book's ideas”.


Pouco tempo após a realização do filme “ The Man With the movie Camera”, Vertov publicou um “statement” em que afirma que o seu filme foi construído sobre “a forma de uma Sinfonia Visual” 1


Embora cronologicamente não possamos afirmar que Vertov foi o precursor do género cinematográfico designado como “Sinfonia das Cidades”, género este que se movimenta nas fronteiras do documentário, narrativa e cinema experimental, uma vez que temos como exemplo seminal logo em 1921 a obra Manhatta (Paul Strand & Charles Sheeler):




Manhatta

Ou então Berlin: die Symphonie der Grosstadt (Walther Ruttmann, 1927):


Berlin: die Symphonie der Grosstadt


A grande maioria destes filmes enfatizava e exaltava a metrópole como o “topos” supremo e absoluto da Modernidade. Acima de tudo estes filmes procuravam ser tão ou mais modernos que o seu tema de estudo de eleição: A Cidade!
As semelhanças com as expressões avant-gard específicas da época são muitas e diversificadas. O carácter espontâneo destes filmes não vinculados directamente aos grandes estúdios da época, evocavam o olhar impressionista, assim como numerosas técnicas que remetem para a fotografia construtivista.
Através da utilização das mais variadas e ousadas técnicas experimentais, as “ Sinfonias das Cidades”, não evocavam e enalteciam só as metrópoles como os expoentes máximos da modernidade a nível arquitectónico, mas enalteciam também os ritmos, a cadência sincopada da vida moderna que então fazia “formigar” as grandes capitais da época. O cinema bucólico e herdeiro da pantomina, dava lugar a um novo estilo que inaugurava assim a nível pictórico as fronteiras da modernidade. Encontramos neste género cinematográfico representações muito claras da Modernidade, tal e qual como foram preconizadas por teóricos como Walter Benjamin ou Siegfried Kracauer.
Celebrando a dinâmica da vida urbana, as “Sinfonias das Cidades” sugeriam que o cinema era a melhor forma de expressão e o melhor meio para “capturar” estes fenómenos arautos de uma cada vez mais crescente modernidade.

Citando Keith Beath poderemos concluir que:

In this way the subtitle of Ruttmann's film was applied to numerous films
within which practices of visual kinaesthesia constructed a 'symphony' based on
the diurnal cycle of life in the modern metropolis, while simultaneously
infusing avant-gardist perspectives with a historically and politically
cognizant form of social criticism.

JÚLIO MENDES RODRIGO, 21 DE OUTUBRO DE 2008

FILMOGRAFIA ESSENCIAL:


Manhatta (Paul Strand & Charles Sheeler, 1921)


Paris Qui Dort (René Clair, 1925)


A propos de Nice (Jean Vigo, 1930)


Rien Que les Heures (Alberto Cavalcanti, 1926)


Skyscraper Symphony (Robert Florey, 1929)Berliner Stilleben (László Moholy-Nagy, 1931)


Manhattan Medley (Bonney Powell, 1931)


The Man with the Movie Camera (Dziga Vertov, 1929)


Berlin: die Symphonie der Grosstadt
(Walther Ruttmann, 1927)


BIBLIOGRAFIA:


KRACAUER, Siegfried, From Caligari to Hitler: A Psychological History of the German Film, 1947

http://www.archive.org/details/fromcaligaritohi013829mbp


¹A. MICHELSON, Kino-Eye: The Writings of Dziga Vertov, University of California Press, Berkeley, 1984.


O Olhar de Ulisses. O Homem e a Câmara. Cinemateca Portuguesa. 2001


ROCHA, Luís Filipe, Jean Vigo , Edições Afrontamento,1981


GRANJA,Vasco, Dziga Vertov, Livros Horizonte, Lisboa, 1981


MANOVICH Lev, The Language of New Media, The MIT Press, 2002


BEATTIE, Keith, From City Symphony to Global City Film: Documentary Display and the Corporeal

http://www.latrobe.edu.au/screeningthepast/20/city-symphony-global-city-film.html