Uma Nova Era

Todos os dias somos bombardeados pelo rótulo de uma Nova Era. O “New Age” americano internacionalizou-se de tal forma, que se tornou ícone mundial, ao qual, se junta a imagem estereotipada do praticante de yoga que depois de se exercitar com posições - asanas milenares, se debate com um hambúrguer oleoso no Mcdonald’s. Pessoalmente, comecei a desenvolver uma aversão orgânica por esta faceta superficial de uma nova dinâmica. Movimento este, que parte dos finais do século XIX para se tornar num gigante corpulento em pleno século XXI. É, contudo, na minha opinião interessante notar que, por detrás, desta superficialidade florida e hipócrita – que se refugia numa espiritualidade feita de reiki e caldeirões – há uma epiderme que se adensa; preconizando o desejo do Humano em retornar ao estado anímico e primevo.

O mundo mudou – nada de novo, o mundo muda constantemente. Mas como já outros autores o salientaram com mestria, podemos encontrar um interessante equivalente entre a descoberta sucessiva de achados e grutas pré-históricas, que nos reportam exactamente para esse imaginário anímico/selvagem; a emergência de diversos tipos de religiosidade reinterpretados à luz da actualidade, mas cujas raízes são centenárias e obviamente heréticas, sob o olhar da Igreja; o desenvolvimento tecnológico que cria um novo conceito de atemporalidade e de espacialidade; e, por fim, a Arte, em todas as suas manifestações artísticas. É claro, que não há uma hierárquica de sucessão entre cada um destes acontecimentos, há sim input’s e output’s que se estimulam reciprocamente.

Tudo parece ter começado em 1879, a 30 km de Santander na zona da Cantábria espanhola, com a descoberta da Gruta de Altamira. A mesma que durante 13 mil anos permaneceu criogenada, por um simples acontecimento: uma imensa pedra selava a sua entrada, impedindo o homem e o tempo de a corromper. Sob o tecto da sua abóbada da “Capela Sistina do Paleolítico Superior” olha-nos o Cavalo de Ocre, a mais antiga das representações, segundo Henri Breuil. O Cavalo xamânico e psicopombo sobre o qual Mircea Eliade[1] escreveria oitenta e cinco anos depois.
Um estranho apelo a religiosidade natural e anímica parecia ter-se despoletado.
Literariamente, Sir James Frazer publicava “The Golden Bough”, versando antigos cultos a deuses modernamente esquecidos e é com ironia que em 1891 é descoberto o famoso Caldeirão de prata com treze painéis ilustrativos de um deus cornudo – Cernunnos – Aars, Himmerland, Dinamarca. Seguiram-se a descoberta de outras três grutas pré-históricas em França: Gruta de Mauthe; Gruta de Combarelles; Gruta de Font-de-Gaume, em 1895. O mesmo ano em que nasceria, Robert Graves, autor de “The White Goddess”, editado em 1959.
Durante a descoberta das cavernas francesas, uma bizarra personagem passeava-se pelas ruas de paris: o excêntrico pai do Futurismo, Fillipo Tommaso Marinetti. A Arte da Performance, era inaugurada com o seu manifesto “Le Figaro”, a 20 de Fevereiro de 1909, menos de cinco anos depois de Aleister Crowley ter recebido de Aiwass, a proclamação do inicio de uma nova era, o Aeon de Hórus. Entre um e outro, o arqueólogo Josef Szombathy descobria a 8 de Agosto de 1908, a famosa estátua de Vénus de Willendorf.

A mulher ganharia um novo papel. A 20 de Dezembro de 1913 na Comédie des Champs-Elysées em Paris, Valentine de Saint-Point apresentava o seu “Manifesto da Luxúria”, que tinha Debussy e Satie como banda sonora. Algo que o historiador d’ “As Feiticeiras”, Jules Michelet gostaria de ter assistido, se tivesse vido mais meio século. Valentine de Saint-Point, encarnava assim o principio idílico dos futuristas: “Velocidade e amor ao Perigo”[2] – algo que hoje é mais actual que nunca, através da auto-estrada cibernética e da comunicação imediata, que permeia a inexistência de limites.

O Psicólogo Analítico, que exactamente no mesmo ano encontrara esta nomenclatura para a sua própria “escola”, Carl Gustav Jung, não foi estranho ao nascimento de uma nova Era. Aliás, compreendeu a existência destes impulsos inconscientes de mudança colectiva que se traduzem em novas áreas cognitivas, articulando assim a sua teoria do Inconsciente Colectivo.

No domínio musical, o manifesto sobre “A Arte do Ruído” do futurista Russolo, confere a importância ao som mecânico que agora se popularizou no género de Noise Music. Nem mesmo John Milton Cage, nos seus “4:33” foi totalmente original. Já em 1933, Marinetti e Pino Masnata realizavam um programa de rádio chamado: “Os silêncios falam entre si”, e no qual se ouviam sons atmosféricos interrompidos por “puro silêncio” com a duração de 8 a 40 segundos. Era o Teatro Futurista Radiofónico.

Mesmo o desejo de osmose entre o Homem e a Máquina hoje, analisados no Pós-Humanismo, têm um dos seus antecessores em “Macchina Tipografica”, de Giacomo Balla. Aqui, cada performer representava a alma de uma das diferentes peças de uma prensa tipográfica rotativa.

Deste brevíssimo texto podemos retirar três ideias:

1- Alteração do conceito de temporalidade – o desejo de velocidade e fusão temporal.
2- Alusão constante a dictomia entre ruído e silêncio.
3- A compreensão das limitações biológicas humanas e do sentido compensatório da máquina, que potencializa o Homem. A criação que torna o criador em Criador.

Paralelamente a todas estas sensações que marcam a Era Saturnina, encontramos um evidente interesse pelo ocultismo, como é notório em “Häxan” de Benjamin Christensen ou ainda antes, “Der Golem, wie er in die welt kam”, Carl Boese e Paul Wegener ou em “Nosferatu, eine Symphonie des Grauens”, de Friedrich Wilhelm Murnau.

Com efeito, um ano antes de “Häxan” era publicado “The Witch Cult in Western Europe”, da antropóloga centenária Margaret Alice Murray, que por sua vez, serviria de “base” para as obras de Gerald Gardner, o futuro Pai do Wicca. Todo este interesse foi materializado, com a abertura em 1949 do primeiro museu de Bruxaria em WitchCraft Research Center, da responsabilidade de Cecil Willimson. Hospedado na antiga casa conhecida por Witche’s Mill, em Arbory Street, Castletown, Isle of Man. Em menos de quinze anos, Raymond Buckland abria o “Museum of WitchCraft and Magic”, em Brentwood, Long Island, New York.

As três décadas que se seguiram (anos 70, 80 e 90) intensificaram o apelo a adopção deste tipo de religiosidade. Passando por um processo de massificação abusiva que sendo reprovável, é sinal claro da conscialização do Homem desse impulso atávico da Era que desperta agora.
BEATRIZ HIERRO LOPES

[1] O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase, (1964), Londres: Routledge & Kegan Paul.
[2] 1910 – 5 de Abril – “Manifesto técnico da pintura futurista” – Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Luigi Russolo, Gino Severini, Giacomo Balla e Marinetti.

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